Ora, neste lugar que minha pena (este verdadeiro amigo que me serve de cúmplice) acaba de tornar misterioso, se olhardes do lado por onde a Rua Colbert desemboca na Rua Vivienne, vereis, no ângulo formado pelo cruzamento destas duas vias, um personagem mostrar sua silhueta, e dirigir seu passo rápido rumo aos bulevares. Mas, se nos aproximamos um pouco mais, de maneira a não chamar sobre nós atenção deste passante, percebemos, com uma agradável surpresa, que ele é jovem! De longe, seria tomado, com efeito, por um homem maduro. A soma dos dias não conta mais, quando se trata de apreciar a capacidade intelectual de uma figura séria. Tenho competência para ler a idade nas linhas fisiognomônicas da fronte: ele tem dezesseis anos e quatro meses! É belo como a retratibilidade das garras das aves de rapina; ou, ainda, como a incerteza dos movimentos musculares nas feridas das partes moles da região cervical posterior; ou, antes, como aquela ratoeira perpétua, sempre rearmada pelo animal pego, que pode apanhar sozinha roedores indefinidamente, e funcionar até escondida sob a palha; e, sobretudo, como o encontro fortuito, sobre uma mesa de dissecação, de uma máquina de costura e de uma guarda-chuva! Mervyn, este filho da loura Inglaterra, acaba de tomar uma aula de esgrima na casa de seu professor, e, envolto em sua capa xadrez escocesa, retorna à casa de seus pais. São oito e meia e ele espera chegar a casa às nove horas: de sua parte, é uma grande pretensão fingir estar certo de conhecer o futuro. Algum obstáculo imprevisto não pode interromper seu caminho? E esta circunstância seria tão pouco frequente que ele deveria esforçar-se para considerá-la uma exceção? Por que não considera, antes, como um fato anormal, a possibilidade que teve até aqui de se sentir livre de inquietações e por assim dizer feliz? Com que direito, na verdade, pretenderia chegar incólume à sua morada, quando alguém o espreita e o segue por trás como a sua futura presa? (Seria conhecer bem pouco a sua profissão de escritor sensacionalista não antecipar, pelo menos, as restritivas interrogações depois das quais chega imediatamente a frase que estou a ponto de terminar.) Reconhecestes o herói imaginário que, já faz um bom tempo, despedaça, com a pressão de sua individualidade, a minha inteligência desgraçada! Ora Maldoror se aproxima de Mervyn, para gravar na memória os traços deste adolescente; ora, com o corpo lançado para trás, recua sobre si mesmo como o bumerangue da Austrália, no segundo período do seu trajeto, ou, antes como uma máquina infernal. Indeciso sobre o que deve fazer. Mas sua consciência não sente nenhum sintoma da mais embriogênica emoção, como erroneamente poderíeis supor. Eu o vi afastar-se por um instante numa direção oposta; estaria acabrunhado pelo remorso? Mas voltou sobre seus passos com renovada obstinação. Mervyn não sabe por que suas artérias temporais batem com força, mas ele apressa o passo obcecado por um pavor cuja causa vós e ele buscais em vão. É preciso levar em conta seu esforço em descobrir o enigma. Por que não olha para trás? Compreenderia tudo. Quem pensa nos meios mais simples de fazer cessar um estado alarmante? Quando um desses criminosos que vagam à entrada das cidades atravessa um bairro dos subúrbios, uma tigela de vinho branco no bucho e a blusa em farrapos, se, na ponta de uma coluna de pedra, percebe um velho gato musculoso, contemporâneo das revoluções às quais assistiram nossos pais, contemplando melancolicamente os raios da lua, que se abatem sobre a planície adormecida, ele avança tortuosamente numa linha curva, e faz um sinal a um cão trôpego, que se precipita. O nobre animal da raça felina espera seu adversário com coragem, e vende caro sua vida. Amanhã algum trapeiro comprará um couro eletrizável. Afinal, por que não fugiu? Seria tão fácil. Mas, no caso que nos preocupa atualmente, Mervyn complica mais o perigo por sua própria ignorância. Ele tem como que alguns lampejos, excessivamente raros, é verdade; não me deterei para demonstrar a imprecisão que os recobre; entretanto, é-lhe impossível adivinhar a realidade. Não é profeta, não digo o contrário, e não se reconhece a faculdade de o ser. Chegado à grande artéria, dobra à direita e atravessa o Bulevar Poissonière e o Bulevar Bonne-Nouvelle. Neste ponto do caminho, avança na Rua do Faubourg-Saint-Denis, deixa para trás de si as plataformas da estação de trens de Strasbourg, e se detém diante de um portão elevado, antes de ter atingido a superposição perpendicular da Rua Lafayete. Uma vez que me aconselhais a terminar neste local a primeira estrofe, quero, por esta vez, obtemperar a vosso desejo. Sabeis que, quando penso no anel de ferro escondido sob a pedra pela mão de um maníaco, um invencível arrepio me passa pelos cabelos?